Da Ideia para o Papel para o Mercado

Líder de Inovação Aberta na IBM Brasil e Empreendedor Endeavor desde 2000.
Você precisa acertar no seu projeto antes de decolar. Para isso, erre. Mas erre com critério, testando e aprendendo dentro do mercado.
Sobre a ideia, você sabe como é, de um jeito ou outro ela aparece na sua cabeça. Pode vir da observação sistemática de determinada situação; pode ser uma necessidade pessoal que também é de outros; pode ser um click criativo ao andar pela praia. Pronto! Agora a ideia está lá e você quer fazer o negócio acontecer, mas não sabe por onde começar. Já assistiu “Campo dos Sonhos” três vezes apenas para saborear as passagens em que um jovem Kevin Costner escuta a célebre frase “If you build it he will come”. Mas a verdade é que isto só funciona no cinema. Na vida real, esta declaração é muito mais uma prece do que um dogma.
O melhor jeito de tirar a ideia da cabeça e colocá-la no papel você já conhece: BMG – Business Model Generation, aquela metodologia trazida à baila por Alex Osterwalder. Primeiro divirja. Construa não apenas um canvas BMG, mas várias versões. Em cada um dos 9 blocos do canvas procure fazer algo diferente da praxe. Depois convirja. Dentre todos os canvas gerados, escolha um único que mais tenha a ver com você, com o momento, com as melhores possibilidades de fazê-lo acontecer.
Agora, tenha muito claro em mente que este canvas representa apenas um roteiro de ficção. A ideia não dará certo apenas porque está ali descrita, ou porque parece realmente boa. O canvas é um grande conjunto de hipóteses que precisam ser testadas, validadas ou refutadas. Só há uma única entidade em todo o processo que tem certeza sobre o que funcionará e como funcionará. Esta entidade não está no time do projeto e não é controlável. Ela se chama “Mercado”. Tal como no slogan daquela série de TV: “A verdade está lá fora”! Você precisa sair do conforto da sua sala, sair da frente do computador, do editor e das planilhas. Você precisa ir para a rua testar as hipóteses.
O melhor jeito para tirar uma ideia do papel é colocá-la no mercado me foi ensinado por uma figura gente-boa do Vale chamado Steven Gary Blank. Ele é o culpado por vários e vários sucessos que têm aparecido por aí. Steve Blank cunhou o método de “começar” que revolucionou os costumes das startups mundo afora: Customer Development.
A vida de Blank foi construir negócios próprios e ajudar outros a construírem os seus. Por vezes se conseguia chegar ao IPO e por outras a falência era vergonhosa. Ele percebeu o que funcionava e, fundamentalmente, o que não funcionava. Por exemplo, viu que a maior razão pela qual startups quebram é porque “escalam” antes do tempo. Mais ou menos como se o avião decolasse antes de todo seu projeto ter sido validado. Em pleno voo, descobre-se que as asas têm o dobro do tamanho que deveriam ou que a turbina tem um terço da potência que precisava. Às vezes dá para consertar com o avião voando… Na maior parte das vezes não dá e… o avião cai.
Em seu livro “The Four Steps to the Epiphany” e no recente “The Startup Owner’s Manual”, Blank descreve o princípio fundamental do sucesso para startups: acertar o projeto antes de decolar. Para isso, é necessário errar de forma sistemática, errar com critério, dentro de um roteiro, testando e aprendendo direto do mercado.
O fato é que a empresa que você projetou nunca (isto mesmo, nunca!) será aquela que chegará aos muitos milhões. Haverá mudanças que podem ser bem pequenas e/ou alterações radicais em conceitos fundamentais do negócio. Saiba desde o tenro início que você vai errar, portanto, procure errar rápido, pequeno e barato. Rápido para não perder o timing; pequeno para que não muitos saibam o que houve; e barato para não quebrar.
A partir do canvas escolhido, você destaca as mais cruciais hipóteses que se não funcionarem o modelo fracassará. Seja bem criterioso ao priorizar. Monte testes para cada uma destas hipóteses. E estes testes não devem ser feitos meia-dúzia de vezes com familiares e amigos, mas com centenas, se possível com milhares de potenciais clientes. Lembre-se de que nos dias de hoje, via web, fazendo uso arguto de redes sociais, isto é bastante plausível.
Customer Development tem diretamente a ver com construir protótipos – o tal do MVP (Minimum Viable Product) na linguagem do Blank – e colocá-los cara a cara com o mercado para saber o que ele diz. Elogios e interesse de um lado, críticas e rejeição do outro, tudo é muito bem vindo. Interesse valida determinada hipótese, enquanto que a rejeição refuta alguma outra. E vamos descobrindo o que de fato o mercado valoriza e o que despreza solenemente, não importa o quão idiota ou genial aquilo parecia ser no papel. Só ele mercado sabe a verdadeira verdade. Os testes de hipóteses, portanto, precisam ser agudos, do tipo “Sim” ou “Não”, “Preto” ou “Branco”… O que de pior pode acontecer é a indiferença, a resposta blasé ou a simples não resposta, porque aí ficamos totalmente no escuro. Nestes casos, o único jeito é recriar o teste e testar novamente!
E nada de pesquisa quali, pois os novos tempos exigem quanti! O que conta são as contas. Quando, por exemplo, 87% da massa de testes de 1000 pessoas ignora seu principal diferencial competitivo (ou melhor, o que você supunha sê-lo), está na hora de voltar para a prancheta e redesenhar o projeto. O derradeiro teste envolve dinheiro: as pessoas estão dispostas a pagar por seu produto? E quanto pagariam? Não queremos inventar (muito menos dispender recursos para decolar) uma boa ideia que não é vendável. O jogo é de amostragem e correlação. A estatística da qual você fugiu a vida toda veio ao seu encontro. Procure um acadêmico que possa te ajudar. Eles estão por aí ávidos por esta chance.
Entendido o verdadeiro dilema problema/solução, as condições de contorno do cliente, a melhor forma de distribuição, enfim, o melhor arranjo possível para os 9 blocos do canvas; feitos os testes, validadas e refutadas todas as principais hipóteses, modificado adequada e repetidamente o projeto, agora e somente agora, você pode começar a pensar na decolagem, a planejar o voo, a buscar dinheiro (seu ou dos outros) para lançar de fato a empresa no mercado.
Como diria o velho Blank, uma startup é uma empresa que, não importa a idade, ainda busca por um modelo de negócios que funcione bem e cujas hipóteses tenham sido testadas, validadas e devidamente adequadas antes do dinheiro acabar. Pense grande, comece pequeno e jamais confunda testosterona com estratégia!
Marcelo Salim é sócio de empresas em diferentes segmentos do mercado e coordenador do CEI – Centro de Empreendedorismo Ibmec. Empreendedor Endeavor desde 2000.
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